Aleitamento materno na primeira hora de vida protege contra mortalidade neonatal
Wendy H. Oddya
a Doutor, Professor, Principal Pesquisador, Division of Population Sciences, Telethon Institute for Child Health Research, Centre for Child Health Research, University of Western Australia, West Perth, Austrália
Artigo
Mais de quatro milhões de bebês morrem no período neonatal todos os anos, e grande parte desses óbitos ocorre em países mais pobres.1 Quanto maior o atraso no início do aleitamento materno, maiores as chances de mortalidade neonatal causada por infecções.2 O aleitamento materno na primeira hora de vida demonstrou redução nessa taxa de mortalidade neonatal elevada em 22%.3 Durante esse período sensível, o efeito protetor do aleitamento materno fornecido no colostro pode estar relacionado a vários mecanismos, que incluem a colonização intestinal por bactérias específicas encontradas no leite materno e à capacidade de o leite materno produzir fatores imunológicos bioativos adequados para o recém-nascido. A Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC), por meio da Organização Mundial de Saúde (OMS), recomenda colocar os bebês em contato com a pele de suas mães imediatamente após o nascimento por, no mínimo, uma hora, e ajudar as mães a reconhecer quando seus bebês já estão prontos para a amamentação.4 Essa ajuda às mães no início do aleitamento corresponde ao Passo Quatro da Iniciativa Hospital Amigo da Criança (Tabela 1).5 Nesta edição do Jornal da Pediatria, Boccolini et al. fazem um relato sobre um estudo ecológico utilizando os dados de 67 países obtidos da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS) até 2008, para avaliar a correlação entre o aleitamento materno na primeira hora de vida e as taxas de mortalidade neonatal.6
Métodos
Utilizando um projeto de estudo ecológico, 67 países realizaram pelo menos um levantamento nacional segundo as orientações da PNDS. Os dados são reconhecidos pela comunidade internacional no local, e estão relacionados à saúde e nutrição maternal e da criança, estando disponíveis publicamente. Os dados dos estudos foram coletados de forma padronizada, tendo sido utilizados para atingir uma amostra representativa de cada país onde a pesquisa foi conduzida. O objetivo foi testar as associações entre a proporção de neonatos amamentados na primeira hora de vida e as taxas de mortalidade neonatal (número de óbitos de crianças com menos de 28 dias de vida por 1.000 nascidos vivos). Para ajustar os fatores potenciais de confusão, foram obtidas informações sobre o percentual de nascimentos nas unidades de saúde e de pessoas com ensino médio ou superior. Os países foram divididos em tercis de mães amamentando na primeira hora de vida, com percentuais menores incluídos no primeiro tercil de países. Os coautores apresentam um modelo com uma distribuição log-linear, utilizando a taxa de mortalidade neonatal como resultado e o percentual de aleitamento materno na primeira hora de vida como a exposição, ajustando o percentual de nascimentos em unidades de saúde e o percentual de pessoas com ensino médio ou superior em cada um dos países.
Achados e comentário
Utilizando países cujos dados levantados estavam disponíveis, os principais achados desse estudo ecológico em todos os 67 países confirmaram que o aleitamento materno na primeira hora de vida estava significativa e inversamente correlacionado à mortalidade neonatal. A implicação desse achado está no fato de o aleitamento materno na primeira hora de vida ter sido associado a um número menor de mortalidade neonatal, e a correlação foi mais forte entre os países com mais óbitos, e os países com as menores taxas de aleitamento materno apresentaram maiores taxas de mortalidade, que foram significativas mesmo após o ajuste para o potencial de confusão. Em países com taxas de mortalidade neonatal acima de 29 por 1.000 nascidos vivos, a correlação com o leite materno na primeira hora de vida foi mais forte com relação ao percentual de partos nas unidades de saúde e às pessoas com ensino médio ou superior. Em países com as taxas de mortalidade mais elevadas, os incluídos no tercil mais baixo de aleitamento materno na primeira hora de vida apresentaram a taxa mais elevada de óbitos neonatais por 1.000 nascidos vivos, e os países incluídos no tercil mais elevado de aleitamento materno na primeira hora de vida apresentaram a taxa mais baixa de óbitos.
Os mecanismos biologicamente plausíveis por meio dos quais o aleitamento materno poderá afetar a mortalidade neonatal foram propostos com a ideia de que o leite mater-no muda segundo a necessidade dos recém-nascidos para proporcionar proteção imunológica passiva. De fato, vários componentes presentes no leite materno reduzem a resposta inflamatória a estímulos no intestino de recém-nascidos. Esses componentes incluem a fator de transformação do crescimento beta, interleucina-10, eritropoietina e lactoferrina, que agem individualmente ou por meio da pleiotropia para conter a resposta inflamatória precoce.7 De forma mais ampla, a proteção poderá ser fornecida por meio de um grande número de elementos no leite materno, incluindo enzimas bioativas, hormônios, fatores de crescimento, citocinas e agentes imunológicos que aumentam e estimulam a defesa do hospedeiro. O primeiro leite possui uma abundância de citocinas em um momento em que os sistemas dos organismos dos recém-nascidos estão imaturos, sugerindo que esses componentes bioativos do leite podem ser importantes para o desenvolvimento neonatal.
O leite humano fornece uma abundância de mediadores protetores para o intestino do neonato e poderá compensar o estado ingênuo da imunidade adaptativa no recém-nascido.8Muitos componentes contribuem para um sistema imune inato no intestino do recém-nascido e do leite humano. Este, em comparação ao sistema imune adaptativo, é articulado constitutivamente e fornece uma proteção rápida e contínua contra amplos grupos de moléculas, sem gerar memória. O intestino de neonatos, principalmente dos prematuros, é hipersensível a estímulos pró-inflamatórios e vulnerável a patógenos. O intestino dos neonatos é colonizado por bactérias lácticas e enterobactérias encontradas no leite materno, o que poderá reduzir a colonização intestinal por bactérias gram-negativas entre recém-nascidos atendidos em uma uni-dade de terapia intensiva neonatal.9 Uma das características mais marcantes do leite é a imunoglobulina A, encontrada em maiores concentrações no colostro em comparação ao leite maduro.10 O leite humano contém várias outras moléculas imunomoduladoras que completam processos pró-inflamatórios, grandes quantidades de leucócitos inativos cuja função é desconhecida, bem como glicanos, alguns dos quais promovem a colonização por simbiontes, e outros impedem patógenos específicos.8 A falta ou mau funcionamento de componentes nesses sistemas imunes inatos do intestino e do leite poderão permitir o desenvolvimento e o crescimento de doenças entéricas no recém-nascido.
Estudos ecológicos são uma abordagem importante e útil para estabelecer correlações entre as exposições e os resultados, porém, a correlação entre o aleitamento materno na primeira hora de vida e a mortalidade neonatal e o estudo relatado neste trabalho foram observados entre países, e não entre pessoas. Além disso, outros possíveis fatores relacionados à mortalidade neonatal, além dos relacionados ao aleitamento materno na primeira hora de vida, poderão ser envolvidos. Contudo, quando complementados por estudos observacionais controlados por fatores de confusão, os estudos ecológicos podem fornecer uma comprovação convincente da sua importância para a saúde pública.11
O aleitamento materno na primeira hora de vida é possivelmente benéfico para todas as crianças, em todos os países, e poderá ser maior em países com taxas mais elevadas de mortalidade neonatal, o que pode ser explicado pela circunstância de que estes possuem um menor nível de assistência durante o parto e o nascimento. Contudo, os benefícios do leite materno na redução da mortalidade neonatal exigem a implementação de programas de saúde maternoinfantil efetivos. O aleitamento materno na primeira hora de vida é reconhecido pela OMS como um componente importante na promoção, proteção e suporte do aleitamento materno e deve ser implementado como uma prática hospitalar de rotina em todos os países a fim de reduzir a mortalidade neonatal. Tratar da mortalidade neonatal é essencial se quisermos que o objetivo de desenvolvimento do milênio de reduzir a mortalidade infantil até 2020 seja alcançado.12
Os achados de um estudo na África subsaariana mostraram que a promoção do início precoce do aleitamento materno tem o potencial para fazer uma grande contribuição; 16% dos óbitos neonatais poderiam ser evitados se todos os neo-natos fossem amamentados desde o primeiro dia, e 22% se o aleitamento materno fosse iniciado na primeira hora de vida.3 Os achados dos estudos observacionais e ecológicos possuem implicações importantes para programas de saúde neonatal e política. Os programas de promoção do aleitamento materno devem dar ênfase considerável ao início precoce do aleitamento materno, principalmente em países menos desenvolvidos, bem como à promoção do aleitamento materno exclusivo.
Em 2009, as diretrizes originais da IHAC da OMS/UNICEF foram atualizadas e incluíram a expansão e integração com outras iniciativas em saúde materno-infantil para otimizar os resultados da saúde da criança. As crescentes evidências sugerem que a IHAC foi associada ao aumento das taxas de início, exclusividade e duração do aleitamento materno em nível hospitalar e comunitário e em diversos contextos culturais.13 E, ainda assim, a compreensão e implementação da IHAC continuam a variar amplamente em todas as comunidades e países, ficando muito distante da meta da UNICEF, de que todas as maternidades do mundo sigam os Dez Passos para o Sucesso do Aleitamento Materno. De fato, a quanti-dade de maternidades da IHAC varia significativamente em todos os países, com um máximo de 50% a um mínimo de 6% em alguns países.13 A IHAC é um programa abrangente e multicomponente para implementar práticas baseadas em evidências para proteger, promover e apoiar o aleitamento materno, e são necessárias estratégias efetivas para uma maior disseminação, integração e implementação da IHAC para resolver o aumento do nível de mortalidade em bebês devido à falta de amamentação na primeira hora de vida.
Conclusão
O efeito de proteção do aleitamento durante a primeira hora de vida sobre a mortalidade neonatal demonstrada nesse estudo ecológico em todos os 67 países é compatível com os achados de estudos observacionais anteriores, indicando a importância do contato pele a pele e do aleitamento na primeira hora de vida como um hábito rotineiro de cuidados neonatais. Essa prática é uma prática comum na Iniciativa Hospital Amigo da Criança no Passo Quatro, o que sugere que todas as maternidades devem aderir a essa iniciativa.
Implicações da prática e pesquisa
• O aleitamento materno na primeira hora de vida protege contra a mortalidade no período neonatal.
• O leite materno é o alimento com maior quantidade de nutrientes protetores para recém-nascidos.
• Todas as maternidades devem aderir à Iniciativa Hospital Amigo da Criança como a melhor prática baseada em evidências.
1.Lawn JE, Cousens S, Zupan J; Lancet Neonatal Survival Steering Team. 4 million neonatal deaths: when? Where? Why? Lancet. 2005;365:891-900.2.Edmond KM, Kirkwood BR, Amenga-Etego S, Owusu-Agyei S, Hurt LS. Effect of early infant feeding practices on infection-specific neonatal mortality: an investigation of the causal links with observational data from rural Ghana. Am J Clin Nutr. 2007;86:1126-31.Medline3.Edmond KM, Zandoh C, Quigley MA, Amenga-Etego S, Owusu-Agyei S, Kirkwood BR. Delayed breastfeeding initiation increases risk of neonatal mortality. Pediatrics. 2006;117:e380-6.Medline4.World Health Organization (WHO); United Nations Children''s Fund (UNICEF). Baby-friendly hospital initiative: revised, updated and expanded for integrated care. Geneva: WHO;2009. 5 vol.5.World Health Organization (WHO); United Nations Children''s Fund (UNICEF). Baby-friendly hospital initiative: revised, updated and expanded for integrated care. Section 1. Background and Implementation. Geneva;WHO:2009.6.Boccolini CS, de Carvalho ML, de Oliveira MI, Perez-Escamilla R. Breastfeeding during the first hour of life and neonatal mortality. J Pediatr (Rio J). 2013;89:131-6.7.Walker A. Breast milk as the gold standard for protective nutrients. J Pediatr. 2010;156:S3-7.Medline8.Newburg DS. Innate immunity and human milk. J Nutr. 2005;135:1308-12.Medline9.Russell MW, Kilian M. Biological activities of Ig. Em: Mestecky J, Lamm ME, McGhee JR, Bienenstock J, Mayer L, Strober W, editores. Mucosal immunology. New York: Academic Press;2004. p. 267-89.10.Newburg DS, Walker WA. Protection of the neonate by the innate immune system of developing gut and of human milk. Pediatr Res. 2007;61:2-8.Medline11.Betrán AP, de Onís M, Lauer JA, Villar J. Ecological study of effect of breast feeding on infant mortality in Latin America. BMJ. 2001;323:303-6.Medline12.United Nations Department of Public Information. The Millennium Development Goals: Report 2005. New York;United Nations:2005.13.Semenic S, Childerhose JE, Lauzière J, Groleau D. Barriers, facilitators, and recommendations related to implementing the Baby-Friendly Initiative (BFI): an integrative review. J Hum Lact. 2012;28:317-34.
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